CANSAÇOS,
CANSAÇO
Fátima
Quintas
Meu
choro é contido; as emoções, também. As pernas denunciam a fadiga dos que
andaram em estradas duvidosas: de barro, de areia, de massapê, de mato. Quantas
léguas percorridas!... Protejo-me não me fazendo enxergar por ninguém. Assim
escondo os infindáveis cansaços. Para que alardeá-los se não há quem possa
socorrer-me? Agarro-me ao salvo-conduto que me garante o combate à artilharia
cotidiana. Não almejo riquezas nem falsas exterioridades. Desprezo os excessos,
os adereços ornamentais, as miçangas de brilho aparente. Insisto em garimpar
diamantes em cestos vazados. “Meus pés vão pisando a terra/ que é a imagem da
minha vida:/ tão vazia, mas tão bela,/
tão certa, mas tão perdida”.
Sou
amante dos crepúsculos e das sombras enluaradas. “Eu ando sozinha/ ao longo da
noite./Mas a estrela é minha”. Para além
do que vejo, debruço-me nas invenções que eu própria fabrico. Não tenho limites
para imaginar. Ganho asas poderosas no vôo das fabulações. Serei tão etérea que
não me desenho? Não faz mal. A invisibilidade tem as suas vantagens,
metamorfoseia-me em varinhas de condão com capacidade de revolucionar as
cercanias. Sinto-me feliz porque pássaro errante, migrando para plagas de
endereços incertos por entre um céu azul e um galope quixotesco. De longe, conhecer-me-ei melhor. Mas estou
cansada. Tão cansada que acabo me fixando no mesmo lugar. As asas me podaram,
já não posso alçar os delírios da juventude.
A lama oleosa se agarra aos pés, invadindo-me
o medo de derrapar no vácuo. Mesmo que me sinta oca, sem linhas de interseção
que preencham os instantes dos dias e das noites, ouso declarar em alto brado a
minha vulnerabilidade. Peço licença para
falar. Mas que direi? E a quem? Tudo já
foi verbalizado, receio a ênfase na recorrência. Desconfio das exatidões dos
silogismos. Opto por testemunhar-me tão-somente uma miragem: vez em quando
relaxo a guarda e traço-me em esboço. A consciência de saber-me frágil
fortalece os impulsos de acreditar em você. Mas estou cansada e as forças me
impedem de ir à luta. Quero apenas amá-lo em solidão: um amor estranho e
impossível. “Dói não poder dar mais,/ e amor que sobra dói,/ mas é amor, nunca
se estraga”. Aqui estou eu, pronta, quase imolada no ato da entrega, à mercê da
loucura que me habita. E ainda desafio os moinhos de vento para balançar o seu
coração — tão petrificado em rochas de quartzo. Por que tudo isso? Até quando
resistirei à íngreme escalada? O cansaço é maior do que eu mesma.
Desde
o primeiro beijo ganhei a imortalidade... quem negará a verdade dessa frase?
Peço mais. Muito mais. Essa volúpia insaciável me arruinará. Estarei sozinha na
tempestade dos desejos? Quem a mim se aliará na prece confessional? Segredar é
difícil, sobretudo no momento em que a humanidade procura, a qualquer custo,
dissimular as fraquezas. Todos são vitoriosos, somente eu contabilizo batalhas
perdidas. A soma aglutina colunas e mais colunas num inventário conturbado.
Viro a página para começar de novo. Puro engano. Tento convencer-me que a vida
é aqui e agora. Na primeira linha, assinarei a ousadia de chegar até você. Mas
continuo tão cansada!...
O meu tempo se gasta na procura das suas mãos.
Chego a pensar que a vida é um barco abandonado e que o mundo corresponde a uma
ilusão ótica, um distúrbio visual que me força a compreender o incognoscível.
Ocupo-me dos sentimentos, não me sobram vagares para supérfluas diligências. Os
outros como me imaginarão? “Quanto mais ando ocupada,/ mais alto o canto
suspendo./ Por isso, quem não está vendo,/ pensa que não faço nada”. Levo a
vida inflando a alma. De afeto. Ninguém suspeita das minhas intenções. Amar
nunca deu lucro. Sou pobre, paupérrima de artificialidades.
Quero
o abraço, o beijo, o toque. Tudo mais me é dispensável. Contento-me com pouco.
Que nada! A minha ambição não se apalpa. Pura abstração num circo de ilusões.
Sou uma trapezista em cima de fios prestes a rebentar. Não há rede de proteção.
Mas o perigo me atrai. Jogo-me ao ar. Um tanto às cegas. Estou tão cansada que nem o gesto de
liberdade me serve.
Aceito
a hesitação de um Ser indefeso, em carência existencial.
Fátima
Quintas é da Academia Pernambucana de Letras. E-mail: fquintas85@terra.com.br