Confesso que hesitei em
escrever este artigo. Não temos uma relação de intimidade,
porém sinto-me envolvida por um sentimento de tamanha dor e perplexidade que me
encoraja a abraçá-la com fé e esperança. Às vezes, percebo-me impulsiva, mas
perdoe-me, Renata, o jeito de ser: não consigo segurar a emoção; as palavras
jorram num gesto alheio a mim. Então...
Era uma quarta-feira
como outra qualquer. Acordei no horário de sempre, mas estava apressada para finalizar
alguns trabalhos iniciados. Sentei-me ao computador e trabalhei a manhã toda. Almoço
na mesa, começava a deliciar-me com a refeição rotineira. De repente, o
telefone tocou: uma amiga gaguejava do outro lado do fio. O que aconteceu... o
que aconteceu... Eduardo Campos falecera em acidente aéreo. Não acreditei.
Liguei a televisão, os fatos começavam a se delinear ainda desencontrados. A
cena era arrepiante. Uma bola de fogo no ar, diziam os moradores do bairro de
Boqueirão, em Santos. O avião despedaçara-se.
Face devastada, minha
alma sofria. Eduardo Campos abruptamente se encantara. Feneciam seus tão
lídimos propósitos, ainda que a determinação, o tino político, o otimismo
estampado no rosto, olhos verdes/azuis, brilhantes como se fossem de cristais, riso
permanente, manejo nas articulações sociais se perenizem. Perenizam-se no líder,
no talento mobilizador, no idealismo transfigurado no Sonho de aglutinar ações
em torno de um projeto político renovador. O carisma ofertava-lhe o escudo da
perseverança, da arte do fazer humanista, da luta aguerrida por um país melhor
— “Não vamos desistir do Brasil”.
Como
sabia lidar com as emoções! Tanto as políticas como as familiares. Sobretudo as
familiares. É exatamente neste ponto que almejo me deter. Se político nato
manteve-se em todas as horas, Eduardo jamais relaxou a ternura de pai extremado
e marido exemplar. E você, Renata, a mulher em quem depositou a confiança do
diálogo nas escolhas e decisões mais importantes; recatada, ao seu lado, de
mãos dadas, pensamento uníssono; o mesmo curso de Faculdade, Economia, as
mesmas vontades, os mesmos quereres. Sempre me chamou atenção o lado coeso dos
laços domésticos que conseguiram conquistar: amaram-se, com amor absoluto, e
amaram a todos que rodeavam o nicho sagrado da casa. Eduardo, apesar da agenda
transbordante, jamais relaxou o apego aos filhos e à querida esposa. Havia uma fragrância
de carinho, germinada desde os tempos de adolescência. A valentia e a coragem com
que hoje, Renata, você vem conduzindo a tragédia que abalou o Brasil,
destroçada por dentro, sabemos, mas aparentemente firme, dotada da fortaleza
dos sábios e do inquebrantável compromisso em dar continuidade aos passos do
homem-amado, deriva da solidez de raízes verdadeiras e hercúleas, plantadas lá
atrás: você, com 14 anos; ele, com 16. Nada brota do vazio, a crença no renascimento
das ideias necessita de uma origem alentadora, edificada sobre pedra. A
densidade familiar resulta da agudeza dos espíritos nobres, assim, Renata, a
canção da serenidade e da resistência explode.
Tudo
parece convergir no sentido de uma comunhão que se prolonga em atos
subsequentes: você é filha do meu querido amigo, Ciro de Andrade Lima, homem de
fé inabalável, médico voltado para o social, íntegro nas ações e na ânsia de
ajudar ao próximo. Platão já apontava o belo e o bom como máximas da humanidade.
Naturalmente que o equilíbrio interior não desponta sem um mastro de
sustentação. Há todo um processo de evolução na mística do amor. Eduardo,
Renata, Maria Eduarda, João, Pedro, José e Miguel fazem parte de uma estrutura egressa
do afeto. Aí reside o vigor da construção de sólidas personalidades.
Este
é um texto de reverência aos afinados acordes da sua família. Nele, procuro
exaltar a intensidade dos elos mais íntimos. Um amor eterno. Existe uma aura, a
resplendecer dessa gravura iluminada. Se todos compreendessem a significação de
um alicerce doméstico bem fortalecido, o mundo seria humanamente humano.
A
morte precoce de Eduardo Campos, minha cara Renata, transformou-o num Mito, e
volto a citar os gregos, agora, Menandro: “os deuses amam os que morrem
jovens”. Fique certa de que o silêncio dos mortos fala mais alto que o grito
dos vivos.
Fátima Quintas é da Academia
Pernambucana de Letras. E-mail: fquintas84@terra.com.br
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