“Assim entro em várias
casas,/ Através de várias ruas,/ Parando ante várias montras,/
Cumprimentando/Para um lado, para o outro...”
Rua Nova, um dia de semana
qualquer. Nem recordo a data. Foi há algum tempo, na época em que as horas não
me encurralavam; eu, descompromissada com o relógio,jovem, plena de esperança.
O poema de José Régio me conduz a um passeio especial pelo centro do Recife:dezoito
anos, cursando faculdade. Naquela tarde, tomei o ônibus sozinha e, sem rumo,
desci na Avenida Dantas Barreto. Mês de julho, um tanto chuvoso, ou melhor,
atmosfera nublada,ocasião propícia para um deambular sem destino. Mãos vazias,
coração palpitando. De quê?
Tomei
a direção da Rua Nova. Transitei-a de ponta a ponta: entrei na Sloper, na Ethan,
na Rialto...Cumprimentei pessoas conhecidas. Por fim, decidi visitar a Matriz
de Santo Antônio, silenciosa, penumbrada, espécie de claustro, a abraçar um
isolamento que não me dizia a que vinha. Sentei-me no longo banco, quase vazio;
havia apenas uma mulher, olhando para frente, a rezar com a máxima contrição;sequer
deu conta da minha presença. Fitei-a. Depoisolhei o teto, as paredes, o púlpito.
A mulher permanecia imóvel.
Uns
trinta anos, cabelos pretos, nariz afilado, corpo magro, porte elegante.
Assaltava-a um profundo sentimento de religiosidade; a prece rezada os lábios
balbuciavam, ela acreditava no seu rogo. Havia fé no rosto plácido, anônimo.
Terço à mão, os dedos “desgranavam” Ave-Marias e Pais-Nossos. Nada a detinha no
monólogo sibilante.
Do
lado de fora da igreja, um homem vendia cachorro-quente e alardeava o produto.
Outro, em posição oposta, exibia gravatas, bradando a beleza das listras e a
qualidade da seda. Italianas. Importadas!!! Preço módico. Mais adiante, uma
senhora expunha um balcão de bugigangas; as peças serviam para ornamentar colos
ou braços femininos; ninguém hesitaria diante da estética dos colares e
pulseiras. O zumzumzum aumentava ao embalo de vozes que barganhavam preços mais
em conta.
A
uma distância pequena, o altar da igreja aplaudia a discrição dos que por lá se
achegavam. A mulher ao meu lado suspirou por relaxamento. Guardou o terço na
bolsa, enxugou uma lágrima, virou o rosto para me enxergar melhor e disse: “Você
é tão jovem, mas tem um olhar triste. Não a tristeza que arranha o meu peito,
essa não tem cura; é a minha sina. Moro aqui perto em um sobrado antigo, no
primeiro andar; levo uma vida insignificante, não vou para lugar algum, trago a
solidão a roer a alma. Venho à igreja todos os dias e gosto do burburinho da
Rua Nova — os ecos reverberamcomo alimento da minhaexistência. Pela sacada do
sobrado, vejo o mundo que se encerra no espaço da pequena rua. Namoros nascem,
amantes brigam, homens e mulheres miram as montras, entram e saem das casas comerciais,
vigiam-se sem conhecer; então, flertes irrompem e daí... Sou
oca de vida; a Rua Nova é o meu refúgio. Frequento a igreja todos os dias, à
mesma hora, peço a Deus o sentido do ser, e me basta”.
Gesto repentino, beijou-me
a testa; se foi. Não me sobrou um segundo para dizer nada.
No
outro dia, voltei. Nunca mais vi a mulher da Rua Nova.
Fátima Quintas é membro da Academia
Pernambucana de Letras.
E-mail:fquintas84@terra.com.br
A Rua Nova me lembra mamãe ... ela sempre me levava, as compras na Loja Sloper, elegância e qualidade dos produtos, as vitrines. E os lanches na Confiança ... Um grande abraço, Eleonora Saldanha-Marston 13/Março/2017
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