Entrei no táxi, um
carro de tamanho médio, não conferi a marca; de pronto, o espaço interno me
chamou a atenção. No chão, pequenos tapetes de cores diferentes, nos assentos e
encostos, mantas verdes distribuídas ordenadamente, além de variados pôsteres
do Coração de Jesus e de Nossa Senhora da Conceição. A decoração transmitia um misto de fé e de mau
gosto, cenário sem a mínima harmonia estética. O chofer assumiu a direção —
gordo, falante, dionisíaco. Deu-me um largo bom-dia, o cabelo preto, liso e
sedoso, modelava o rosto, sobrancelhas grossas, lábios polpudos, face rosada, a
imagem projetava um temperamento extrovertido, pulsante. Sentei-me e ouvi um
convicto monólogo: “Sou um homem que acredita em Deus, nos santos, nas ordens
do céu. Trabalho com prazer, conheço ruas, avenidas, praças e tenho a certeza
de que vou para o paraíso celestial. Nada é feito sem o comando do lado de lá.
Não há razão de infelicidades; basta acreditar na glória divina”.
Surpresa com tantas divagações,
perguntei: “Desde quando o senhor é taxista?” Ele virou o rosto e fitou-me: “Sou
formado em Direito, empreguei-me numa média empresa, mas a monotonia do
trabalho e o salário baixo levaram-me a pensar em outra profissão. Então decidi
fazer alguma coisa mais dinâmica, que tivesse contato direto com as pessoas;
gosto de gente, de conversar, de conhecer o mundo através das ideias do outro.
Aqui eu convivo com rostos diversos, do mais eloquente ao mais humilde. Neste
carro transitam ateus, católicos, evangélicos... Sabe, doutora, a religião
condiciona o comportamento humano. A razão e a emoção dependem da estrutura de
cada um; todos os indivíduos são enriquecidos por um aprendizado diário. A
religião é a base, mas não somente; a educação tem valor imprescindível. E o
nosso país carece de elementos de origem. Daí o caos em que mergulhou”.
Saí do carro um tanto
atordoada. Havia um claro descompasso entre a estética, a religião e a
existência. Em tão pouco tempo, não fui capaz de discernir os hiatos predominantes.
De qualquer forma, constatei mais uma vez, a complexidade inerente ao ser
humano. E o taxista se foi, perfilando o mistério de cada um.
Fátima Quintas é da
Academia Pernambucana de Letras. E—mail: fquintas84@terra.com.br
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