O mundo gira ao meu redor. Estou zonza. Não sou, entretanto, o epicentro
de um mandala em cuja construção sequer colaborei – esse rabisco geográfico que se chama espaço
elaboraram-no por mim. Vejo o que é concreto, mas enxergo com mais profundidade
o abstrato, o invisível, as entrelinhas. A obviedade me fatiga, não me seduzem
as conclusões aligeiradas, fruto de óbvias inferências. Os revestimentos artificiais
não resistem à ação da menor ventania. Qualquer aragem supostamente rebelde
poderá esgarçar o modelo da circunferência. Disseram-me, ainda pequenina, que o
universo é redondo, daí o excesso de zonzeira que me acode. Ao lado dos códigos
irrefutáveis, descubro o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: “As cousas
não têm significação – têm existência./ As cousas são o único sentido oculto
das cousas.”
Vale o que sinto, não o que apalpo. Capto o inexistente. Não estou presa
ao círculo sensorial, nem comungo dos ensinamentos dogmáticos. Exaurem-me as
ideias concebidas sob severas precisões. A minha humanidade rejeita qualquer
verbo conjugado no imperativo. Esqueço os mandamentos que um dia me subjugaram
ao receituário da perfeição, vou além, abandono as virtudes inodoras e
incolores... Quantas vezes andei sobre
pedregulhos? Vivo o minuto, cada um, não traço planos para o instante que se
segue; ele já passou, nada fiz, deixei-o
ao largo, um tanto à deriva — eu própria navego em um barco adernado. Voltarei
à proa. Careço da imensidão dos horizontes, dos portos inatingíveis, de tudo
que me leve ao desatino do sonho. Busco a volatilidade da criação e as miragens
arquetípicas... “Meus sonhos têm asas/ e
saem do mar”.
Tenho lápis e papel. Faltam-me, contudo, palavras.
Tento juntá-las, mas os sons não se harmonizam, há sílabas a mais e imaginação
a menos. Não me conformo com essa infertilidade, necessito expandir os limites
do mundo ou reinventá-los à luz da libertação. Serei capaz de ultrapassar as
fronteiras que me embargaram, ou a minha infante aventura é de tamanho
diminuto? A folha de papel, antes tão
larga e desértica, nela não fui capaz de escrevinhar o nome desejo. E, em meio
a eufemismos, escapo valentemente do parágrafo por concluir. Se neguei-me o
direito da espontaneidade, pelos menos assumo a consciência da
incompletude.
Fátima Quintas é da Academia Pernambucana de Letras.
Email: fquintas84@terra.com.br
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