quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A estética dos sentimentos




Fátima Quintas




O mundo é feito de emoções: surpresa, medo, riso, choro... Há dias tranquilos; outros, tumultuados. As previsões são tão fugidias, que escapam do nosso controle. Dependem das circunstâncias. E não somos capazes de traçar com segurança metas antecipadas. No redemoinho das sensações, trago a idéia de um cromatismo interior, sentimento que aflora em tom e semitom difuso ou clarividente. Procuro, talvez em vão, imaginar cores para as vivências. Atribuo uma estética ao subjetivo. Pois é, o sentir se alia à arte e todos os atos humanos dependem da maneira como cada um se depara com os acontecimentos. Carrego uma sensibilidade à flor da pele, vejo-me um acúmulo de intuições, perguntas sem respostas, devaneios, alheamento. Repito Fernando Pessoa: “Quando olho para mim não me percebo./ Tenho tanto a mania de sentir/ Que me extravio ás vezes ao sair/ Das próprias sensações que eu recebo”.

Os versos são belos e confirmam o exercício da estética. Tem sido assim com os grandes poetas, aqueles que dão à escrita a força das imagens: palavras que embalam fonemas num ritmo melodioso, a transcender a materialidade para atingir a abstração na sua mais fina agudeza. Quando leio Fernando Pessoa sou tomada por tal vibração que entendo que a vida reclama a arte em todos os momentos. Cada minuto deve ser vivido como se fosse uma obra de arte. Tempo igual à arte, eis a síntese da existência. Arte na palavra, arte na pintura, arte na escultura ou na menor expressão humana. A criação simboliza o ponto de partida. Afinal, “viver não é necessário; o que é necessário é criar”.

Tudo isso vem à tona porque ando atordoada com o ritmo do cotidiano. As pessoas transitam apressadamente e não sei para onde vão. Caminham céleres na direção do quê? Outro dia, mais especificamente horas antes do jogo entre Brasil e Coréia do Norte, ouvi impropérios de um motorista porque o engarrafamento se alongava na Avenida Dezessete de Agosto e os veículos começavam a driblar a fila, transformando a calçada num atalho em fuga. Neguei-me a adotar tamanha insanidade. Os desaforos foram disparados como num tiroteio às cegas. Mantive a calma, o que irritou o agressor, a ponto de descer do carro e encenar gestos descontrolados de violência física.

Em casa, refleti sobre o fato. Os tempos contemporâneos se revelam ruidosos, violentos, pragmáticos. Optei por refugiar-me nos versos de Fernando Pessoa. Logo relaxei as tensões anteriores. Compreendi que o bosquejo dos sentimentos reivindica um mínimo de meditação. A ascese não pode acontecer dissociada de constantes imersões. Invejei a rotina dos mosteiros, as clausuras isoladas, o passeio no átrio. Circulo de um lado para o outro, do frenesi à calmaria; então deparo-me com a lhaneza do dizer: “Amar é a eterna inocência,/ E a única inocência não pensar...”

Os sentimentos se completam na estética. Na forma. Na cor. Na gradação dos contrates. De Michelangelo a Picasso, os propósitos são semelhantes, cruzam-se e se tocam em linhas convergentes: a busca do belo. Os descompassos dos dias atuais se distanciam do culto à virtuose e proclamam a tecnologia como o cimo de todas as coisas. A humanidade mudou, e eu me tornei uma estranha observadora, alguém à deriva, escolhendo cores para retratar afetos e desafetos. Uma abstração que me agrada.

Como definir a cor do silêncio, da alegria, da lágrima? O silêncio será branco, límpido, prenhe de pureza? A alegria, amarela, expressiva? A lágrima, indefinida, quase oculta, a evocar o cinzento? Ou as tonalidades são ilusões de um coração nostálgico? No meu quarto de estudo apego-me ao que o poeta escreveu: “A minha alma partiu-se como um vaso vazio./Caiu pela escada excessivamente abaixo./ Caiu das mãos da criada descuidada./ Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.”

Entre a poesia e o futebol, ouço o barulho das vozes aplaudindo o primeiro gol do Brasil. Festejo. Preciso de ânimo para continuar a pintar a aquarela que nunca comecei.

4 comentários:

  1. você deve ter a obrigaçao de renovar este blog. o que esta havendo...???????????

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  2. O QUE SIGNIFICA ESSE SEU SENTIMENTO? O QUE É VOCÊ EXISTINDO AGORA? O QUE TE DEVORA DE FORA PARA DENTRO? O QUE TE FAZ SER O QUE É? ........

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  3. COMO É ESSE TEU MUNDO DE ...? QUAL A DOR QUE TE ACRESCENTA A VIDA? o QUE TE DEVORA TODAS OS DIAS ALÉM DO TEMPO? TE TRADUZ DE ALGUMA FORMA PARA O TEU BLOG.

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  4. Fátima, sou seu fã. Adoro seus textos. Já li muitos deles no JC, nas quartas-feiras. Agora, estou contente de conhecer seu blog.

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